×
Testes de tensão aplicada em VLF - imagem do equipamento de teste
Manutenção preditiva

A importância dos ensaios de Tangente Delta em redes de média tensão

A técnica de Tangente Delta é uma ferramenta poderosa. Seu objetivo é subsidiar técnicos e gestores de operação e manutenção. A técnica permite obter informações precisas sobre o estado dos cabos isolados de média tensão, seja em uma concessionária de energia, seja em uma grande indústria ou ainda em usinas eólicas e solares fotovoltaicas. 

As informações que obtemos com as análises de tangente delta têm o potencial de direcionar as ações de manutenção, aumentando a previsibilidade de custos, o planejamento operacional, o direcionamento de recursos para manutenção preventiva, bem como o planejamento de contingência (no caso de falhas) e de substituição de cabos quando necessário.

Quando utilizar as medições de Tangente Delta

Utilizamos as medições de Tangente Delta para avaliação dos níveis de envelhecimento e de degradação do isolamento do cabo. Além da inferência do nível de envelhecimento dos materiais, a técnica também pode indicar irregularidades diversas, como a existência de defeitos que produzem descargas parciais, infiltração de água, arborescências, entre outros.

Executamos os ensaios por meio da aplicação de tensão elétrica aos isolamentos em frequência VLF (Very Low Frequency) de diferentes níveis de tensão, geralmente entre 0,5Uo e 2Uo, por apenas poucos minutos. Em cada nível de tensão aplicada, realizamos medições sequenciais para avaliação do comportamento médio do tangente delta e de sua estabilidade. 

A norma de referência que utilizamos mais amplamente com esse propósito é o guia IEEE 400.2 – 2013. Nesta norma, o comportamento do Tangente Delta em função do nível de tensão também é um importante parâmetro de análise. Assim como em outros métodos offline, um dos requisitos para realização dos ensaios é a desconexão das terminações dos cabos.

Esquema do arranjo que utilizamos para execução dos ensaios de tangente delta 

A ilustração acima exemplifica o esquema do arranjo utilizado para a execução dos ensaios de Tangente Delta. O cabo do viola TD, o equipamento BAUR que realiza as medições, se conecta ao condutor do objeto de teste. A blindagem permanece aterrada. O equipamento aplica tensão em três etapas, 0,5, 1 e 1,5 vezes a tensão nominal fase-terra. Durante cada nível de tensão, o instrumento realiza cerca de 6 a 20 medidas do tangente delta. Calculamos a média e a estabilidade, para cada nível de tensão, bem como a variação do tangente delta médio, entre maior e menor nível de tensão aplicados.

Mas, afinal, o que é Tangente Delta?

Um cabo isolado é um sistema capacitivo, pois apresenta dois condutores (o condutor principal e a blindagem metálica) com um meio isolante entre eles. Desse modo, quando aplicamos uma tensão ao material, ambos os eletrodos se apresentam polarizados e a energia potencial é armazenada no campo elétrico. Um capacitor perfeito simplesmente armazena esta energia sem nenhum tipo de perda, sem produção de calor ou qualquer outro efeito. Pode-se utilizar totalmente esta energia, em princípio, em ocasião futura, ao descarregar o capacitor perfeito. 

No entanto, todo material real apresenta uma certa perda de energia durante o processo de polarização e despolarização, seja por aquecimento ou por qualquer outro mecanismo. Esta dissipação de energia pode ser muito pequena para determinados arranjos, mas sempre existe. Um cabo se comporta como um capacitor real e quanto mais envelhecido está o isolamento, maior será a dissipação de energia neste processo. Podemos ver, na figura abaixo, o circuito elétrico equivalente para o isolamento de um cabo.

No esquema mostrado acima, é possível notar que o isolamento se comporta como um capacitor, com um meio dielétrico entre dois condutores, a blindagem e o condutor principal. Considerando um isolamento perfeito, a resistência R do isolamento tenderia ao infinito, sendo o componente resistivo da corrente elétrica, IR, nulo. Considerando um isolamento real, a resistência é mensurável, assim como a corrente elétrica, que é diferente de zero. O fator de dissipação é a razão entre os componentes resistivo e capacitivo da corrente elétrica. Para um cabo sadio, o fator de dissipação é o menor possível, de  acordo com as características dos materiais empregados.

Corrente elétrica

Considerando um cabo sadio submetido a uma diferença de potencial, uma corrente elétrica fluirá na direção do vetor do campo elétrico. A corrente elétrica possuirá dois componentes, o capacitivo e o resistivo. A resistência do isolamento é muito elevada para um cabo sadio, de modo que o componente resistivo da corrente elétrica será muito pequeno (conforme Lei de Ohm). 

O Tangente Delta/fator de perdas dielétricas, também conhecido como fator de dissipação, é definido como a razão entre os componentes, o resistivo e o capacitivo. Quanto mais envelhecido e desgastado o isolamento, menor será a sua resistência e, portanto, maior será o fator de dissipação (sinônimo para o Tangente Delta).

No vídeo abaixo, é possível observar o comportamento do Tangente Delta em cabos de diferentes idades. 

Podemos representar os componentes da corrente elétrica em um diagrama fasorial, conforme exibe a figura abaixo (lembrando que a corrente elétrica resistiva se apresenta sempre em fase com a tensão aplicada e a corrente elétrica capacitiva, com uma defasagem de 90 graus). Como os componentes do vetor corrente elétrica, capacitivo e resistivo, não apontam na mesma direção, é possível construir um triângulo retângulo, em que o tangente do ângulo delta formado com o eixo vertical é exatamente a definição do fator de dissipação.

Diagrama fasorial dos componentes da corrente elétrica em um cabo isolado

O sistema de isolamento do cabo, conforme é submetido a ciclos térmicos ou mantido em operação por tempo prolongado, apresentará envelhecimento e degradação naturais. A rigidez dielétrica do isolamento irá diminuir ao longo do tempo. Ela pode se correlacionar ao tangente delta, de modo que a estratégia consiste em monitorar o Tangente Delta com medições periódicas para um acompanhamento preditivo, permitindo a inferência da qualidade dos isolamentos e antecipando riscos de falhas.

Análise e interpretação de dados de tangente delta segundo a IEEE 400.2

Embora o Tangente Delta cresça continuamente com o envelhecimento e degradação do cabo, ao analisar os valores para cabos novos, com diferentes tipos de isolamentos, é possível observar que as ordens de grandeza são relativamente diferentes. Em geral, um isolamento do tipo XLPE apresenta Tangente Delta muito inferior a um isolamento EPR. De fato, o Tangente Delta depende, intrinsecamente, de algumas características apresentadas a seguir.

Em que f é a frequência da tensão aplicada, R a resistência do isolamento e C a capacitância, sendo a capacitância dada por:

Em que ε é a permissividade elétrica do dielétrico, ε0 a permissividade elétrica do vácuo e K um fator de forma.

A análise das equações acima mostra que o Tangente Delta depende da frequência da fonte de tensão, mas também da permissividade elétrica do isolante, que é uma propriedade característica do material do isolamento. Ou seja, se for considerado um isolamento tipo EPR, XLPE ou papel impregnado a óleo, não é possível utilizar os mesmos critérios de avaliação, pois cada material, mesmo sadio, apresentará comportamento esperado diferente. 

De fato, até mesmo cabos novos de diferentes fabricantes, usualmente apresentam resultados ligeiramente diferentes, mesmo que tenham o mesmo tipo de isolamento. Então, como avaliar os valores obtidos para o Tangente Delta? Existem algumas formas, começando pela mais usual, a que adota os critérios do guia IEEE 400.2 – 2013.

Projeto CDFI

O NEETRAC (National Electric Energy Testing, Research & Applications Center) conduziu um projeto, denominado CDFI, que culminou com a publicação de um handbook em 2015. Os dados levantados, no entanto, foram utilizados para elaboração da norma IEEE 400.2, em 2013. 

Durante o projeto, diversas empresas norte-americanas realizaram medições do fator de dissipação nos cabos de seus parques instalados. As medições foram realizadas segundo o protocolo de três níveis de tensão (0,5 V0, 1 V0 e 1,5 V0), com medições sequenciais em cada nível. Milhares de cabos foram ensaiados com isolamentos tipo XLPE, EPR e outros. Os valores obtidos foram analisados estatisticamente, com alto rigor, sendo construídas curvas de distribuição cumulativas para cada tipo de isolamento.

Aqueles cabos que apresentam os piores resultados, muito provavelmente, terão maior risco de falhas. Assim, a estratégia adotada foi classificar os resultados em níveis de risco, em acordo com os percentuais da distribuição cumulativa obtida nas classes detalhadas na tabela abaixo. A ideia é agrupar e classificar, em acordo, os cabos que apresentam resultados na faixa classificada.

Descrição das classificações de risco para cabos isolados em média tensão, em acordo com resultados para o Tangente Delta, segundo desenvolvimentos do projeto CDFI

ClassificaçãoDescrição
Sem necessidade de açãoTodos os parâmetros de análise do tangente delta permanecem entre 0 e 80% da distribuição cumulativa dos dados obtidos no projeto CDFI. Cabos com baixa probabilidade de falhas.
Necessita estudos adicionaisTodos os parâmetros de análise do tangente delta permanecem entre 80% e 95% da distribuição cumulativa obtida no projeto CDFI. Cabos apresentam risco de falhas, mas indefinido.
Ação necessáriaTodos os parâmetros de análise do tangente delta permanecem entre 95 e 100% da distribuição cumulativa obtida no projeto CDFI. Cabos com elevado risco de falhas.

Estimamos a probabilidade de falha para cada classe estabelecida empregando modelagem matemática aos dados históricos, ainda durante o projeto CDFI. A tabela a seguir apresenta os resultados. Cabos classificados como “Ação necessária” apresentam risco significativo de falhas. Por isso recomendamos ações para mitigar o risco e prevenir problemas. Cabos classificados como “Sem necessidade de ação” apresentam baixo risco. Já os cabos classificados como “Necessita estudos adicionais” apresentam risco de falhas. No entanto, o nível é incerto, uma vez que cabos com pequenas irregularidades se agrupam com cabos que podem apresentar irregularidades mais severas. Portanto, geralmente estudos adicionais são necessários para inferência de risco de modo mais preciso.

 Probabilidades de falha dentro de períodos pré-determinados, segundo modelagem matemática apresentada no projeto CDFI. Classificações de risco conforme norma IEEE 400.2 – 2013

ClassificaçãoDurante testeem até 2 anos após ensaioem até 5 anos após ensaio
Sem necessidade de ação0,6%1,9%2,3%
Necessita estudos adicionais4%10%11%
Ação necessária14%32%36%

A partir destes critérios é possível detalhar o processo de análise, utilizando a metodologia estabelecida pela norma IEEE 400.2. Para avaliação de um cabo, inicialmente, tomamos medidas conforme o mesmo protocolo indicado no guia IEEE, com três passos de tensão e medições sequenciais em cada nível: 0,5 V0, 1 V0 e 1,5 V0. 

A partir dos dados que obtemos, calcula-se três atributos conforme podemos ver na tabela abaixo. Os valores são então comparados ao banco de dados levantado pelo NEETRAC e o cabo é classificado segundo o nível de risco de falhas durante a operação, conforme os resultados apresentados.

Parâmetros de avaliação para o Tangente Delta, conforme norma IEEE 400.2 – 2013

ParâmetroFórmulaDescrição
MTD@1V0
Valor médio do tangente delta – média do tangente delta, determinado em tensão de operação. – Estimativa mais provável para o TD.
STD@1V0
  Estabilidade do tangente delta – desvio padrão do tangente delta, calculado em tensão de operação. – Avalia flutuação e estabilidade do isolamento.    
ΔTD
Diferencial do tangente delta – Subtração da média do tangente delta, em sobretensão e subtensão. – Avalia dependência do TD com nível de tensão aplicado.

Na sétima edição da nossa série de e-books, abordamos com mais detalhes outras metodologias de análise dos dados obtidos pelas medições de Tangente Delta, além de analisarmos três estudos de casos para uma compreensão mais prática do assunto. 

Inscreva-se em nossa newsletter para ficar por dentro de cada material rico lançado pela BAUR do Brasil com o propósito de aprimorar seus conhecimentos no setor. 

Produtos relacionados

Leia também

Manutenção corretiva

Manutenção redes de média tensão: estratégias e melhores práticas 

Segurança, confiabilidade e disponibilidade das redes isoladas em média...

Ensaio de descarga parcial em cabo
Manutenção preditiva

Boas práticas de comissionamento de redes de média tensão

No mundo do gerenciamento de projetos, o PMI (Project...

Manutenção corretiva

E-books REDES DE MÉDIA TENSÃO EM USINAS EÓLICAS E SOLARES

Desde o início da década de 2010, o Brasil...